Mini conto por Michel Ribas

Adeus


Olhou o belo casal de filhos e o rosto que um dia amou loucamente e então chorou na dor da separação, soltanot um doloroso adeus.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Antes de ser um livro.

Fabrício Carpinejar
Texto publicado no jornal Zero Hora, POA (RS), 2/11/2001

Aprendi a girar a maçaneta abrindo um livro. Aprendi a repartir os cabelos repassando seu miolo. Os trechos que sublinhava a lápis são as cartas que deixei para minha família. Eu lembro do que ainda persiste em me lembrar.
Precisava usar canivete para deslacrar as páginas. A obra não aberta denunciava a falta de leitura e me dava pena vê-la arrependida na poeira. Descerrava folha por folha, como quem descasca uma fruta. O sumo das letras escorrendo, rodas dos óculos descendo a toda. Não havia freios para a velocidade dos olhos. O livro imitava um ônibus; cessar uma leitura de forma abrupta era como saltar na parada errada. Até hoje não sei se a imaginação não é minha memória. Guardo a impressão de que na casa da infância não havia paredes, apenas prateleiras. Cada livro era um torcedor de pé na arquibancada. Um fanático esperando ser reparado. Torcendo para que nossa vida desse certo. Fazendo jogadas ensaiadas, pedindo substituições, escalando alegrias. Eu lembro do que ainda persiste em me lembrar.
Posso dizer que o primeiro bairro em que morei foi a Divina Comédia de Dante. As figuras de Doré pareciam leves perto daquele inferno. Sabia de cor os círculos e a hierarquia dos pecados. Quando me incomodavam, usava os preceitos dantescos para designar uma sentença. Botei tanta gente no inferno que me arrependo. O livro comovia pelo tato, alvoroço. Ã semelhança dos polígrafos, minha respiração ficou viciada no cheiro de papel novo. Quando descobri a Feira de Porto Alegre, não entendi. De um dia para outro, as barracas haviam aparecido. Aquilo surpreendeu minha solidão, como raízes que levantam de súbito a calçada. Escritores circulavam à paisana, o rosto vulnerável, disfarçando o orgulho de uma capa, contracapa e prefácio.
Eu me lembro do que ainda persiste em me lembrar. Conheço o ritual das janelas levantando devagar, as brochuras na mesa. Vivo diretamente o poema, sem intermediários.